BPC e seguro-desemprego podem mudar para ampliar redução de gasto

BPC e seguro-desemprego podem mudar para ampliar redução de gasto

Publicado em 25 de julho de 2024

Ideia alterar regra de concessão dos benefícios como medidas adicionais não previstas na redução de despesas estimada em R$ 25,9 bi para 2025.

O governo estuda mexer nos critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e mudar as regras do seguro-desemprego, em mais uma frente de trabalho para reduzir despesas obrigatórias e fazer com que elas caibam dentro dos limites do novo arcabouço fiscal. Seriam medidas adicionais da agenda de corte de gastos, não contabilizadas dentro dos R$ 25,9 bilhões já anunciados para 2025 pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ambas precisariam de alteração em lei, mas são cogitadas para envio ao Congresso até o fim deste ano.

De acordo com duas fontes, os estudos já foram solicitados e estão em andamento. Contudo, as propostas ainda serão desenhadas e vão passar pelo crivo político do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no momento adequado. Uma fonte da equipe econômica garantiu que o tema não é “tabu” dentro do governo e será enfrentado.

O BPC é um benefício assistencial no valor mensal de um salário-mínimo pago à pessoa com deficiência e ao idoso carente. Para ter direito, a pessoa precisa ter renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo. Porém, uma lei de 2021 flexibilizou esse critério, permitindo a dedução de gastos relacionados à saúde e que em casos específicos o benefício seja concedido para família com renda até meio salário mínimo.

Além disso, uma portaria de 2021 alterou o rito de concessão do BPC a pessoas com deficiência. Foi adotado o chamado “padrão médio à avaliação social”, substituindo a avaliação social individual, nos casos em que a perícia médica já tenha sido realizada e constatado o impedimento de longo prazo. A medida foi pensada, na época, para diminuir o tempo de espera.

A avaliação do atual governo é que essas medidas, mesmo com as mudanças posteriores, ajudaram a acelerar a concessão do benefício nos últimos anos, em especial aqueles concedidos judicialmente, já que ficou uma interpretação dúbia da lei.

Em junho deste ano, eram 6 milhões de pessoas recebendo BPC. Há dez anos, no mesmo mês, esse número estava em 4 milhões. Em 2021, eram 4,7 milhões. Os dados mostram ainda que até 2022 o crescimento do número de beneficiários variava entre 1% e 5%. Agora, está na casa de dois dígitos, puxado tanto pelo aumento do BPC a pessoa com deficiência quanto aos idosos a partir de 65 anos.

No caso do seguro-desemprego, a equipe econômica entende que o programa, da forma como está desenhado, é pró-cíclico e precisaria de mudanças. Atualmente, para receber o dinheiro, o trabalhador precisa ter trabalhado com carteira assinada pelo menos 12 meses nos últimos 18 meses anteriores à data da demissão, quando é a primeira entrada no benefício. O prazo cai de 12 para 9 meses nos casos em que é a segunda vez que o pedido é feito. Depois, cai para 6 meses.

A equipe econômica defende uma padronização dessas regras, além de tornar o programa menos pró-cíclico. Segundo uma fonte, “esse é um bom momento” para fazer as mudanças, porque o país vive uma “situação boa de emprego”.

Bruno Ottoni, especialista em mercado de trabalho da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda que o formato atual do seguro-desemprego tem caráter pró-cíclico. “Quando a situação da economia melhora, as pessoas muitas vezes pedem demissão e entram no emprego informal. Com isso, acumulam o salário do emprego informal com o seguro-desemprego”, explica. Segundo ele, na maior parte dos outros países, o seguro é anticíclico, ou seja, quando a economia piora e o desemprego aumenta, aí sim o país tem uma alta com o gasto com o seguro-desemprego.

Em janeiro e fevereiro deste ano, o governo gastou 29,75% a mais do que no mesmo período do ano passado com seguro-desemprego, apesar do aquecimento do mercado de trabalho. Projeção feita em 13 de maio pelo Ministério do Trabalho e Emprego mostra que o gasto com a política seria crescente ao longo dos próximos anos, custando R$ 51,6 bilhões em 2024 e chegando a R$ 64,6 bilhões em 2027.

Por isso, na avaliação de Ottoni, faz sentido o governo buscar que essa despesa fique mais estável ao longo de um período de dez anos, por exemplo, de forma a caber dentro das novas regras fiscais.

As mudanças no BPC e no seguro também estão sendo estudadas como uma alternativa à desvinculação desses gastos da política de valorização do salário mínimo, proposta que chegou a ser levantada pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, mas que já foi descartada publicamente pelo presidente Lula. “Para manter a vinculação ao salário mínimo, eu preciso aprimorar as políticas sociais”, explicou uma fonte.

“Quando a economia melhora, pessoas vão para o informal e acumulam com seguro-desemprego”

Mudanças na vinculação dos pisos de saúde e educação ao crescimento da receita também não seriam adotadas até 2026, já que há a avaliação de que o custo político para alterar o ritmo de crescimento é elevado. O foco da equipe econômica está no chamado “pente fino” dos benefícios previdenciários e assistenciais e em mudanças no seguro-defeso e no Proagro, medidas que estão dentro da conta de economia de R$ 25,9 bilhões anunciada por Haddad para 2025.

No caso do abono salarial, outra política contestada por especialistas e vinculada ao crescimento do salário-mínimo, fontes explicam que demandaria mudança por Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o que tende a ser difícil de ser aprovado pelo Congresso Nacional.

Marcos Mendes, doutor em economia e pesquisador associado ao Insper, avalia que há espaço para mexer tanto no BPC quanto no seguro-desemprego. Porém, o pesquisador defende mudanças mais rígidas das que estão sendo estudadas pelo governo, além de dizer que não faz sentido equiparar o valor do BPC ao salário mínimo.

“O BPC é um benefício que a pessoa recebe sem ter contribuído antes. Por isso, ele não pode se equiparar a outro que é pago a quem contribuiu”, comenta Mendes. “Hoje isso acontece, pois o contribuinte do INSS se aposenta com 65 anos e o beneficiário do BPC também recebe a partir dos 65 anos. Seria correto voltar a idade do BPC para 70 anos, como era inicialmente”, afirma o economista. Ele argumenta, ainda, que é preciso ter critérios mais seletivos na definição de deficiência e um “grande esforço” na prevenção de fraudes.

No caso do seguro-desemprego, o economista afirma que é preciso redesenhar os três instrumentos para proteger o trabalhador que perde o emprego: o seguro-desemprego, o FGTS e a multa rescisória. “Seria preciso redesenhar essa proteção de forma a reduzir o custo para o erário e para os empregadores e empregados, pois há efeitos negativos tanto fiscais quanto de incentivo à formalização da mão de obra e de permanência no emprego”, explica.

Caso confirmada a mudança no seguro-desemprego, não seria a primeira vez que um governo alteraria as regras para restringir o acesso e, dessa forma, reduzir gastos. No fim de 2014, a então presidente Dilma Rousseff editou medida provisória, sancionada em 2015, ajustando os critérios de concessão do seguro-desemprego.

Fonte: Valor Econômico
No Comments

Sorry, the comment form is closed at this time.