30 jul Compliance evolui com investimento em tecnologia e investigação de novos temas
Compliance evolui com investimento em tecnologia e investigação de novos temas
Dez anos depois da Lei Anticorrupção, assédio, trabalho escravo e racismo entram em pauta.
Passados mais de dez anos da entrada em vigor da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que disseminou no país o conceito de “compliance” e abriu um novo mercado de trabalho para especialistas e consultorias, muita coisa mudou. De início uma novidade restrita à redação de códigos de ética e criação de canais de denúncia, o compliance evoluiu e hoje é baseado em softwares que investigam milhares de fontes de informação em busca de indícios e suspeitas sobre potenciais fornecedores, clientes e funcionários.
Além de corrupção, hoje se investigam temas como racismo, assédio sexual, questões ambientais, ilícitos trabalhistas, violações a proteção de dados, crimes financeiros, terrorismo ou qualquer assunto que possa gerar uma crise de imagem e reputação. Em pauta está a observância de leis nacionais e normas de conformidade que regulam o acesso a mercados interno, de comércio exterior, de capitais e crédito.
A pesquisa “Maturidade do Compliance”, da consultoria KPMG, de 2024, mostra que 85% das grandes empresas têm código de ética, 70% têm profissional dedicado ao compliance e 74% dos executivos se dizem comprometidos com a causa. A nova preocupação é a tecnologia. Segundo o relatório Compliance on Top, da empresa Legal, Ethics & Compliance (LEC), os principais investimentos da área estão na revisão dos métodos de controle e uso de tecnologia.
O resultado é um novo mercado para softwares de compliance e consultorias de investigação. A Kronoos, lawtech lançada em 2020, por exemplo, cresce 40% ao ano fornecendo softwares de dados que reviram 3,5 mil bases nacionais e internacionais atrás de informações sobre fornecedores, funcionários e clientes. O software vasculha sites de tribunais, de notícias e de órgãos públicos nacionais e internacionais.
Para Alexandre Pegoraro, CEO da Kronoos, o mercado tem crescido com o avanço da agenda ESG (meio ambiente, responsabilidade social e governança) e a maior informatização de bases de dados públicas, principalmente na Justiça, o que facilita a busca por informações on-line.
Segundo Pegoraro, contribui também a grande preocupação das empresas com escândalos que se espalham rapidamente pelas redes sociais. “A empresa evita entrar em uma relação de negócios se sabe que pode ter problemas”, diz o executivo. A empresa produziu 21 mil dossiês de compliance só em 2023.
Fernando Fleider, CEO da multinacional Protiviti, conta que no começo era tudo feito a mão, mas com o tempo a tecnologia se tornou indispensável e o processo foi sendo automatizado para atingir grandes volumes de informação. Em 2023, a empresa produziu no Brasil 265 mil diligências de compliance.
Hoje os relatórios de conformidade, afirma Fleider, podem incluir os mais variados tipos de normas e bases de dados. Uma tendência por lá é o crescimento dos relatórios de pessoas físicas na contratação de funcionários. Um comentário racista em uma rede social ou uma mentira no currículo podem barrar uma contratação.
Para Fernanda Barroso Carneiro, diretora da Kroll para América Latina, a grande mudança hoje é que de início as empresas tinham uma postura mais reativa a denúncias, esperando o alerta para tomar providências. Hoje é mais clara a postura preventiva, o que explica a grande procura por relatórios de conformidade.
Em certos casos, diz Fernanda, os problemas podem não ser captados pelo robô de análise de dados, que faz varreduras de larga escala. Por isso, é preciso alguém para analisar esses dados. “Quanto mais sensível a relação com um fornecedor, com uma pessoa física, mais cuidado é preciso ter ao se analisar o problema”, afirma.
“Comentário racista em rede social ou mentira no currículo podem barrar uma contratação”
Emerson Melo, sócio de investigação e litígios da KPMG, diz que, até hoje, é mantida a observação de princípios tradicionais do compliance, como a ideia de “cultura de integridade”. Mas, acrescenta ele, em um contexto de grandes empresas, com milhares de funcionários e relações de negócios, a tecnologia é a única forma de assegurar a observação de deveres de conformidade, como treinamentos e checagem de histórico.
“A tecnologia é uma aliada nos processos de auditoria interna, traz mais efetividade e assertividade ao processo”, afirma Melo. Ele calcula que seu setor fez 6 milhões de levantamentos de conformidade de terceiros nos últimos três anos, com uso intensivo de tecnologia.
Fabrício Pasquot, sócio do escritório LO Baptista Advogados, chama a atenção para a questão do compliance global e a internacionalização dos riscos. Normas de conformidade da União Europeia, da Organização Mundial de Comércio (OMC) e da Organização para o Desenvolvimento Econômico e Social (OCDE) vêm exigindo bons antecedentes em temas como meio ambiente e direitos sociais. Segundo ele, são regras cada vez mais amplas e rígidas.
Algumas empresas atendem nichos, como setores regulados e prevenção ao assédio. Criada em 2016, a startup Compliasset atende setores com grande fluxo de novas normas e regulações, como a área financeira.
Dan Struogo, CEO da Compliasset, notou que o ritmo de mudanças na regulação do setor financeiro não era acompanhado por relatórios de compliance convencionais. Produtos como criptomoedas e novos meios de pagamento trouxeram um ritmo de inovação intenso, segundo ele.
Da constatação de que os canais de denúncia existentes não funcionavam bem para assédio, nasceu a SafeSpace, startup criada em 2020 por quatro sócias. Segundo Rafaela Frankenthal, CEO da empresa, a questão do assédio começou a entrar na agenda de grandes empresas a partir do movimento “me too” (“eu também”), de 2017. A partir daí, empresas perceberam que escândalos do tipo podem gerar crises de reputação de grandes proporções, justificando o investimento.
O advogado Valdir Simão, sócio do Warde Advogados, ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), constata que o compliance foi mudando à medida que novas preocupações foram surgindo e sendo incorporadas às atribuições das estruturas de compliance já existentes. “Os sistemas foram ganhando maturidade e sendo internalizados nas empresas. A preocupação não é mais apenas a responsabilização pela lei, mas a reputação”, diz.
Simão observa que novas tecnologias têm muito a acrescentar, mas é preciso manter a atenção aos princípios básicos da cultura de conformidade e evitar que a automatização excessiva crie novos riscos, deixando decisões complexas nas mãos de robôs, o que pode excluir relações de negócios de forma equivocada. “Nada substitui uma análise criteriosa da informação. É um risco grande restringir o acesso ao mercado por uma questão reputacional.”
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