Grupos de afinidade precisam melhorar para sair do discurso e ser efetivo nas empresas

Grupos de afinidade precisam melhorar para sair do discurso e ser efetivo nas empresas

Publicado em 15 de fevereiro de 2023

Da sigla em inglês ERGs (Employer Resource Groups), essas equipes reúnem colaboradores com interesses ou origens semelhantes. Mas há muito o que as companhias devem fazer para que eles tenham voz efetiva.

Não foram poucas as vezes que Viviane Moreira, integrante da 6ª turma do Programa de Diversidade em Conselho do IBGC e membro do Comitê de Integridade e Ética da Secretaria de Transporte de Minas Gerais, foi repreendida por dedicar tempo “excessivo” às propostas dos grupos de afinidade que ajudou a estruturar. “Um dos projetos foi premiado no exterior. Quando voltei da premiação, ouvi dos superiores que eu queria brilhar mais do que a direção”, lembra. “Ainda hoje muitos gestores não enxergam os benefícios que os ERGs podem trazer para o negócio, adotando os grupos apenas para constar do relatório de sustentabilidade”.

Da sigla em inglês ERGs (Employer Resource Groups) – na tradução, Grupos de Recursos para os Funcionários – os grupos de afinidades reúnem colaboradores com interesses ou origens semelhantes. No Brasil, são vistos como sinônimo de diversidade, com foco basicamente em gênero, raça e etnia, comunidade LGBTQIA+ e Pessoas com Deficiência (PcDs). Segundo a pesquisa “A Diversidade e Inclusão nas Organizações no Brasil”, realizada em 2019 pela Aberje, em 46% das companhias que têm programa de diversidade existem grupos específicos formais com esse fim. Destaque para identidade de gênero e PcDs (Veja informações abaixo).

Moreira afirma que ainda há um longo caminho a ser trilhado para que os grupos de afinidade tenham voz, sejam reconhecidos publicamente por suas realizações e contem com suporte efetivo das lideranças para que as ações sejam avaliadas e implementadas. “O gestor que não é inclusivo não entende que pode ser produtivo para a companhia o funcionário dedicar duas ou três horas na semana para atuar no grupo de afinidade”, declara. “Muitos acham que é perda de tempo. Boa parte dos colaboradores voluntários só têm voz ativa em datas específicas e em ações sociais”.

Para Milena Buosi, gerente de Diversidade e Inclusão da Natura &Co para a América Latina, um dos grandes desafios é fazer com que os grupos de afinidade tenham valor estratégico e não sejam apenas para fazer barulho. “Para isso, é imprescindível ter mecanismos de reconhecimento a fim de que não seja exclusivamente um trabalho voluntário, promover a aproximação contínua com a liderança, garantir a manutenção da visão estratégica e viabilizar as ações aprovadas”, afirma. Embora separadamente Avon e Natura já contassem com a área de diversidade e inclusão bem estruturadas, foi apenas em 2020 que a Natura &Co – que reúne Natura, Avon, The Body Shop e Aesop – integrou e criou os grupos de interesse Natura & Cores (LGBTQIA+), Raízes (etnia racial), Nós (gênero) e Eficientes (PcDs).

“Todos os grupos têm planejamento anual e metas de performance. No total, são 13 lideranças, que envolvem mais de 1 mil colaboradores”, diz Buosi. “A participação das lideranças é muito importante para que se saia da discussão para a realização. Por exemplo, o sponsor da célula Raízes é o Daniel Silveira, CEO da Avon ”. A executiva revela que a aproximação das duas frentes exigiu adaptação da agenda, uma vez que os encontros precisam ter periodicidade garantida.

Entre as iniciativas nascidas do Grupo Raízes junto com a liderança do coletivo, o Comitê Executivo de Diversidade e a área de RH, Milena destaca o Manifesto Antirracista da Natura, lançado em 2022, e inspirado pelo Compromisso Antirracista da Avon, apresentado em 2020. O Grupo Natura & Cores, por sua vez, prestou consultoria para o desenvolvimento da campanha “No amor cabem todas as cores”, que reforça o apoio da marca de maquiagem Natura Faces à causa. Já o Grupo Interesse Eficientes, lembra Milena, contribuiu nas discussões da melhora da acessibilidade às embalagens dos produtos e maior diversidade em campanhas de publicidade.

Eleito pela terceira vez um dos 100 Executivos LGBT mais influentes do mundo, Eliezer Silveira Filho, diretor-gerente da Roost, especializada em soluções focadas em Internet das Coisas e Edge Computing, afirma que ter uma liderança que faz parte de um grupo minoritário facilita a aculturação do todo. “Eu não participo dos grupos para não correr o risco de ter protagonismo, mas a apresentação das demandas e definição de orçamentos é direto comigo, com o CEO”, diz. “Cerca de 60% dos 80 colaboradores estão ligados aos grupos, que foram criados em 2022, depois que a companhia estabeleceu suas metas de diversidade e inclusão.”

Segundo Silveira Filho, só será possível mudar as organizações se as lideranças forem mais diversas e acreditarem na proposta. “O que faz dar certo é a alta gestão assumir o seu papel nessa jornada, permeando a nova cultura por toda a corporação”, afirma. “Estamos, porém, distantes dessa realidade. As lideranças ainda enxergam como tema secundário, sem levar em conta que diversidade e inclusão geram pensamentos diferentes, levam à inovação e a um ambiente diverso, propiciando melhores resultados para a companhia”.

Não há como negar que a criação de grupos de afinidade é uma das principais práticas adotadas pelas empresas na implementação da agenda ESG (sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança corporativa). Em abril de 2020, a Blend Edu – startup que desenvolve experiências educacionais para promover empatia, diversidade e inclusão nas organizações -, realizou uma pesquisa com 45 empresas brasileiras de grande porte e constatou que 70% contavam com grupos de afinidade/diversidade. Mais do que isso, que essa era uma das ações mais recorrentes nos programas de diversidade. Todas as companhias declararam que conectar pessoas, proporcionando um ambiente de troca, é um dos objetivos desses grupos. O estudo revelou, ainda, que para 82% das companhias os grupos têm por meta operacionalizar ações internas ou validar ações do programa de Diversidade e Inclusão; para 61%, engajar os líderes de negócios e para 46% o objetivo é realizar ações para atrair talentos diversos.

“Mas não basta estimular o engajamento dos colaboradores se eles não tiverem recursos, inclusive financeiros, e apoio institucional para realizar suas propostas”, afirma “Mas não basta estimular o engajamento dos colaboradores se eles não tiverem recursos, inclusive financeiros, e apoio institucional para realizar suas propostas”, afirma Viviane Moreira. “As lideranças precisam considerar os ERGs como uma importante ferramenta para aprimorar o envolvimento de toda a organização”. Engana-se quem ainda insiste na tese de que as novas gerações não se preocupam com isso. Quando se trata de usar ERGs para fins de recrutamento, mais de 70% das pessoas entre 18 e 24 anos e 52% do grupo entre 25 e 34 anos, segundo levantamento realizado pela Software Advice, afirmaram que ter ERGs influenciaria positivamente na sua decisão de se candidatar a uma vaga.

Jeane Capelo, diretora de Pessoas e Cultura da Cadastra, empresa de soluções de marketing, tecnologia e estratégia de negócios, não esconde que os resultados começaram a aparecer apenas quando ESG virou estratégia discutida em reunião de Conselho. Em 2022, foi criado um grupo de ESG capaz de unir as duas pontas: colaboradores e direção. “Tivemos de trabalhar muito a conscientização da alta gestão e das lideranças para que se engajassem no processo, a fim de que uma nova cultura permeasse a organização”, explica. “Conseguimos. Mais de 90% dos líderes participaram do treinamento de letramento racial sobre vieses inconscientes, algo impensado até pouco tempo”.

Na visão de Rony Santos, gerente de diversidade do Grupo O Boticário, a curva de maturidade nas empresas está no início. “Não existe um modelo ideal, cada companhia deve estruturar os grupos de afinidades de acordo com sua cultura e perfil”, afirma. “Nós optamos, em 2019, pela criação em cinco frentes: equidade racial, equidade de gênero, população LGBTQIA+, PcDs e geracional”.

Segundo Santos, todos os grupos contam com um líder e um co-líder, aprovados num processo seletivo entre os candidatos voluntários de todas as áreas do grupo. A única exigência é que se identifiquem com o grupo. “O sponsor é sempre um diretor e o co-sponsor um gerente sênior. São eles que garantirão que os projetos dos grupos circulem pela alta liderança, o que assegura mais fluidez e facilidade na aprovação das ações”, diz. “Uma vez a cada dois três meses, o CEO se reúne com representantes dos grupos de afinidade. É um momento de troca importante”.

Defendendo a tese de que trazer pessoas diversas é para as companhias um desafio quantitativo, enquanto inclusão é qualitativo, O executivo dO Boticário afirma que os grupos de afinidade são cruciais para reduzir o stress de minorias. Por isso, é necessário dar voz, recurso financeiro, treinamento e espaço de visibilidade dentro da empresa. “É preciso ressignificar para que, de fato, haja colaboração”, declara. “Quando isso acontece, os resultados aparecem”. Entre as estratégias adotadas pelo Boticário nascidas a partir das discussões propostas pelos grupos de afinidade, Santos destaca a adoção da Licença Parental Universal em julho de 2021. “Até agosto de 2022, quase mil licenças foram tiradas pelos colaboradores”, finaliza.

Fonte: Valor Econômico
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