Investigações corporativas e garantias processuais

Investigações corporativas e garantias processuais

Publicado em 11 de julho de 2024
Por Marcelo Ribeiro de Oliveira e Gabriel Queiroz

Recente decisão judicial na Suíça traz reflexões sobre as garantias processuais aos indivíduos submetidos a investigações internas.

Uma recente decisão judicial na Suíça (Corte Superior do Cantão de Zurique) traz reflexões sobre as garantias processuais aos indivíduos submetidos a investigações internas e que, a par de especificidades do direito local, permitem algumas análises tendo em conta a realidade brasileira.

No caso examinado (4A_368/2023), o tema era a busca da reversão do que no Brasil seria demissão por justa causa, acrescida de indenização. O ponto dizia respeito à não observação de garantias processuais penais do investigado durante investigação conduzida pela empresa. A pessoa teria sido acusada de assédio sexual por colegas, o que teria motivado uma apuração interna por parte da companhia.

A primeira decisão proferida judicialmente concordou com essa posição, ao compreender que o investigado tinha o direito a ser acompanhado por uma pessoa da sua confiança na entrevista e que isso não foi informado a ele previamente. E ainda, que o investigado não teve a oportunidade de se preparar para a entrevista ou pensar em pessoas ausentes que poderiam ter testemunhado a seu favor. Também se sustentou não ter havido oportunidade de defesa das alegações porque, como os fatos foram trazidos, não haveria condições de saber quando teria assediado sexualmente, quem, onde e como. A conclusão, em suma, era de que a situação era “definitivamente semelhante à de um processo criminal”.

Esse posicionamento foi revertido (e a justa causa foi mantida, afastando-se o pagamento de indenização), sob a compreensão de que as garantias processuais penais não têm efeito direto nas investigações internas do empregador. Anotou-se, ainda, que os direitos fundamentais em geral não têm efeito direto sobre terceiros e entre particulares, com algumas exceções não destacadas na decisão e que tocam a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Ainda se considerou que a adoção de normas processuais penais no direito privado é proibida porque as relações jurídicas são fundamentalmente diferentes: as partes em um contrato de trabalho estabelecem voluntariamente uma obrigação pessoal e permanente. A situação é diferente no processo penal, em que o investigado está submetido ao poder penal do Estado, independentemente da sua vontade, o que caracteriza o chamado estado de sujeição.

Até pela diferença de relações jurídicas, ressaltou-se que estão em jogo consequências jurídicas completamente diferentes: em processos penais, o Estado pode impor sanções drásticas, incomparáveis em termos de gravidade, passando-se pela imposição de multas, penas de prisão, que podem chegar à prisão perpétua.

A decisão faz considerações sobre a possibilidade que o empregador tem de rescindir o contrato sem motivo e que o caráter abusivo ocorreria apenas se o empregador acusar o trabalhador de forma descuidada e sem motivo razoável. Uma rescisão baseada em alegações de outros empregados pode ser abusiva se o empregador não tiver realizado investigações suficientes antes da rescisão ou se as investigações não fundamentarem a suspeita. Isso garante que o dever de diligência do empregador e os interesses legítimos do trabalhador sejam suficientemente tidos em conta.

No caso, entendeu-se que a investigação foi adequada e apontou ser muito provável a ocorrência de comportamento inadequado descrito pelos outros funcionários. Com relação aos argumentos rebatidos, entendeu-se que a alegada falta de informação prévia a permitir a preparação e o aconselhamento não procede, já que o interrogado faz as suas declarações com base na sua memória, só podendo utilizar documentos escritos com o consentimento do responsável pela apuração.

Quanto ao fato de não se ter uma pessoa de confiança ao seu lado, além de reforçar a diferença da garantia processual penal, o entrevistado não afirma ter solicitado uma nova conversa na presença de uma pessoa de confiança.

Essa distinção de regimes (penal e o aplicado na investigação interna) é também a linha adotada para afastar a alegação de falta de informação adequada sobre os fatos ou mesmo a identificação dos denunciantes, apontando ainda que pela legislação trabalhista, os despedimentos com base em suspeita são permitidos e não são abusivos se a suspeita mais tarde se revelar infundada. Isso significa que o empregador não tem de provar que as alegações são verdadeiras.

Como possíveis lições, entende-se que a compreensão dos diferentes standards de prova, a liberdade do empregador, a amplitude dos conceitos legais para justa causa e a quebra de confiança são aspectos relevantes para considerar a margem discricionariedade do empregador em aproveitar das conclusões das apurações internas para a tomada de decisão.

Trata-se de um caso que acena para a importância de clareza de procedimentos e de comunicações, mas nas políticas internas por uma questão de segurança e de previsibilidade. Algumas demonstrações de que o tema ainda precisa ser aprofundado no país, por exemplo, são o debate sobre a aplicabilidade ou não do direito ao silêncio, a possibilidade de acesso a dispositivo de mensagens (corporativos ou não) e até mesmo a discussão sobre a aplicabilidade do chamado “Upjohn Warning” (medida adotada após decisão da Suprema Corte nos EUA, também chamado de Miranda Warning das investigações internas), com o fim de alertar que os investigadores, ainda que se trate de advogados, estão a serviço da empresa e que o funcionário tem o direito de consultar um advogado que defenda seus interesses antes de falar com investigadores internos sobre possíveis ilicitudes.

Fonte: Valor Econômico
No Comments

Sorry, the comment form is closed at this time.