27 jan Menos horas, mais desafios: o futuro do trabalho
Menos horas, mais desafios: o futuro do trabalho
A reforma proposta pela PEC que visa reduzir a jornada de trabalho semanal não deve ser vista apenas como uma mudança legislativa, mas como uma oportunidade para repensar o futuro do trabalho no Brasil.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria da deputada federal Érica Hilton (PSOL – SP), e que visa reduzir a jornada de trabalho semanal de 44 para 36 horas sem redução proporcional da remuneração, gerou amplo debate na sociedade e entre os parlamentares. É uma ideia que tem potencial para alterar profundamente uma estrutura que há décadas faz parte do modelo adotado no Brasil, afetando tanto trabalhadores quanto empresas. Embora a PEC tenha sido bem-recebida por muitos, alcançando o número de assinaturas necessárias para ter sua tramitação iniciada na Câmara dos Deputados, sua implementação exige uma reflexão cuidadosa sobre os impactos sociais, econômicos e possíveis soluções para os desafios que certamente virão.
O conteúdo da PEC foi influenciado por uma petição on-line do Movimento Vida Além do Trabalho, capitaneado pelo influenciador – e agora vereador pelo Rio de Janeiro – Ricardo Azevedo. Ele defende a diminuição da jornada de trabalho semanal como uma das medidas para aumentar os períodos de descanso e garantir maior qualidade de vida aos trabalhadores.
A Constituição estabelece que a jornada de trabalho não pode ultrapassar oito horas diárias ou 44 horas semanais, conforme o artigo 7º, inciso XIII, de modo que se mantenha o equilíbrio entre produtividade e condições dignas de trabalho. A PEC propõe uma jornada dividida entre quatro dias de trabalho e três dias de descanso, com o limite das oito horas diárias. Como essas 36 horas seriam distribuídas, com a compensação das quatro horas semanais restantes, é algo que ainda precisa ser discutido.
Muitos países desenvolvidos já adotam jornadas menores, com diferentes abordagens e alcances, sem que isso signifique que haja perda de produtividade. Na Islândia, por exemplo, foi realizado um projeto-piloto durante cinco anos (2015 a 2019), com funcionários do setor público tendo suas jornadas reduzidas de 40 para 36 horas semanais, mas sem que houvesse redução de salários. Os resultados: aumento na satisfação dos trabalhadores e manutenção da produtividade. Na Bélgica, a jornada foi ajustada para uma semana de quatro dias, que foram usados para compensar as horas não trabalhadas na sexta-feira, sem redução nas horas totais de trabalho. Na Espanha, o governo realizou um teste oferecendo um meio-dia a menos de trabalho, sem cortar salários, para aumentar a flexibilidade para os trabalhadores, especialmente nas pequenas e médias empresas.
Esses exemplos demonstram que a redução da jornada, quando bem planejada, é algo que pode trazer benefícios às pessoas sem comprometer a eficiência do trabalho. Mas a experiência internacional não é uniforme. A Grécia, por exemplo, seguiu o caminho contrário e, em julho do ano passado, aumentou a carga semanal para 48 horas em algumas indústrias que operam no regime 24 por 7.
Enquanto a redução da jornada de trabalho pode ser vista como um avanço, ela precisa ser implementada com cautela, levando em conta as especificidades de cada país. No caso do Brasil, o foco deve estar voltado à realidade social e econômica que o acompanha.
São vários os desafios atrelados à realidade brasileira. Um dos principais é garantir que não haja impactos negativos na produtividade ou na qualidade dos serviços prestados, especialmente em setores onde a presença contínua do trabalhador é essencial, como serviços essenciais, hotéis, bares e restaurantes. Além disso, as empresas podem enfrentar um aumento de custos operacionais se precisarem contratar mais empregados para cobrir os turnos ociosos ou modificar seus processos produtivos para se adaptarem à nova realidade. E esses custos podem acabar sendo repassados ao consumidor.
Outro desafio diz respeito ao aumento da informalidade, com o risco de que muitas empresas passem a realizar a contratação de autônomos ou pessoas jurídicas para evitar o cumprimento da jornada de trabalho reduzida. E a mudança para uma jornada mais curta pode gerar um fenômeno indesejado: o acúmulo de empregos. Com mais tempo livre, muitos trabalhadores poderão buscar alternativas para complementar sua renda, assumindo outras atividades durante suas folgas, algumas até informais, levando a um excesso de horas de trabalhadas em detrimento da saúde e da qualidade de vida.
A transição que a PEC propõe exigirá um planejamento estratégico cuidadoso. Uma solução seria incentivar o uso de tecnologias, entre as quais a inteligência artificial, que aumentem a eficiência operacional das empresas, mas mantendo a produtividade mesmo com menos horas trabalhadas. Neste novo cenário, nada mais justo se o governo passasse a oferecer incentivos para pequenas e médias empresas que implementassem a jornada reduzida de maneira gradual, ajudando-as a absorver os custos iniciais da mudança.
Uma alternativa seria estabelecer regras de jornada ajustadas para cada setor da economia, com um olhar cuidadoso para as especificidades das atividades desenvolvidas pelas empresas. Essas soluções sob medida podem ser negociadas diretamente com os sindicatos, por exemplo, favorecendo o diálogo e o fortalecimento das soluções consensuais e feitas sob medida.
A reforma proposta pela PEC não deve ser vista apenas como uma mudança legislativa, mas como uma oportunidade para repensar o futuro do trabalho no Brasil, com foco em condições melhores para os trabalhadores e sustentabilidade e possibilidade de aumento de produtividade para as empresas.
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