Os perigos das demissões com base em desempenho

Os perigos das demissões com base em desempenho

Publicado em 14 de abril de 2025

Meta mudou estratégia para cortes de pessoal ao definir dispensados como funcionários com baixa performance.

Funcionários demitidos no último corte de pessoal da Meta, destinado publicamente a eliminar os que tinham baixo desempenho, foram rápidos em responder.

Conscientes da possibilidade de estigmatização por serem rotulados dessa forma, os funcionários dispensados usaram o LinkedIn para reclamar de seu ex-empregador e defender sua reputação. Muitos insistiram em que, na verdade, tinham alto desempenho; alguns até compartilharam listas de suas avaliações positivas anteriores como prova.

“Sejamos claros: esse rótulo é enganoso e, no caso de muitos de nós, é totalmente errado”, escreveu o ex-designer de produtos da Meta, Steven Sczepanik, na plataforma. “Fui varrido em um procedimento que tinha mais a ver com cumprir metas numéricas do que com avaliar o desempenho individual de maneira imparcial.”

A decisão do executivo-chefe da Meta, Mark Zuckerberg, de classificar cerca de 5% de seu pessoal como funcionários com baixo desempenho antes de demiti-los este ano marcou uma mudança na forma como a empresa de tecnologia encara a reestruturação.

A empresa já tinha cortado quase um quarto de seus trabalhadores nos últimos anos, à medida que revertia o boom de contratações da época da pandemia de covid-19. Mas, desta vez, as demissões tiveram um aspecto mais pessoal: em um memorando publicado em janeiro, o chefe da Meta informou seu pessoal que decidira “elevar o padrão de desempenho” com um novo corte de cerca de 3.600 funcionários.

Segundo entrevistas com vários funcionários e ex-funcionários do setor de tecnologia de empresas como a Meta, assim como com estudiosos do meio acadêmico e advogados, a mudança de tom, de trocar a reestruturação por iniciativas em massa baseadas no desempenho, injeta um caráter mais darwiniano no Vale do Silício. Ela pôs em dúvida a competência de trabalhadores que, em situações anteriores, teriam deixado uma empresa com sua reputação intacta.

Em janeiro, a Microsoft também promoveu demissões com base em desempenho, que tinham como alvo uma pequena porcentagem de funcionários que em sua última avaliação tinham recebido “menos prêmios do que se esperava” – aumentos salariais, ações e pagamentos de bônus. De acordo com uma fonte familiarizada com o assunto, os cortes ocorreram na sequência de iniciativas da empresa para dar a seus gerentes mais facilidade para demitir funcionários com desempenho abaixo da média.

A fonte afirmou que a concorrência acirrada na área da inteligência artificial, em especial contra novas startups, significava que as empresas precisavam ser mais ágeis para manter-se em vantagem.

Defensores dos cortes com base no desempenho argumentam que eles fazem sentido para os negócios. Mas para os funcionários dispensados que buscam continuar suas carreiras em outro lugar, eles podem significar uma nota negativa preocupante. Um ex-funcionário da Meta demitido na última leva contou que desde então tem recebido rejeições ao procurar emprego – embora nunca tenha sido informado de que isso se deve especificamente ao rótulo de baixo desempenho. Observadores também advertem que esses cortes direcionados têm um efeito inibidor sobre a inovação, pois os funcionários que sobram acabam por assumir menos riscos ao tentarem superar certas métricas.

“Normalmente, as demissões não são feitas de forma tão performática assim”, disse Anna Tavis, professora da New York University (NYU) e ex-executiva da área de recursos humanos da Motorola e da Nokia. “Em geral, essas coisas são ditas a portas fechadas. Há uma crueldade no fato de uma empresa anunciar para o mundo todo que essas pessoas estão sendo dispensadas por causa de seu desempenho.”

A prática de demitir alguém com base em inadequações profissionais não é incomum – mas a decisão de dispensar em massa os funcionários que uma empresa considera que têm baixo desempenho só entrou para o conjunto de ferramentas dos grandes empregadores da área de tecnologia nos últimos anos, e foi usado pela primeira vez na rede social Twitter.

A aquisição da plataforma, hoje chamada de X, por Elon Musk em 2022, por US$ 44 bilhões, foi acompanhada por um e-mail com o título “Uma encruzilhada no caminho”. A mensagem apresentava um ultimato para que os funcionários aceitassem uma cultura “extremamente radical” ou fossem embora – isso antes de Musk reduzir o quadro de funcionários em cerca de 80%, para um total de 1.500.

Depois disso, o bilionário aplicou o mesmo método aos funcionários federais em sua função de chefe do assim chamado Departamento de Eficiência Governamental (Doge), no governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Advogados e especialistas da área acadêmica afirmaram que o comportamento de Musk no governo serviu como estímulo para que grandes empresas de tecnologia adotassem um enfoque mais agressivo com seus funcionários. Um mercado de trabalho mais apertado também encorajou empresas que em outras ocasiões se sentiram menos seguras na disputa por funcionários.

“Há mudanças drásticas nas práticas de emprego em meio a uma reorientação cultural nos EUA”, afirmou Deena Merlen, advogada da Reavis Page Jump. “Isso tem um forte impacto na tomada de decisões e nos tipos de procedimentos que são seguidos.”

Os cortes na Meta foram feitos ao mesmo tempo em que Zuckerberg afrouxou a abordagem da empresa sobre moderação e cobrou mais “energia masculina” no mundo empresarial americano, o que muitos interpretaram como uma tentativa de aproximação com o governo Trump.

Vários ex-funcionários da Meta alegaram que foram demitidos depois de um curto período de licença médica ou de licença-maternidade e só tinham voltado ao trabalho recentemente.

“Eu nunca tive uma avaliação abaixo de ‘satisfaz todos os pontos’ em meus mais de três anos na Meta, e estava em licença-maternidade de seis meses até novembro”, contou Elana Reman Safner, ex-advogada da Meta, em um post nas redes sociais. “Muitos demitidos hoje parecem ter histórias semelhantes – um histórico de bom desempenho e uma licença recente”

“Por definição, ‘de licença’ não é um item de avaliação de desempenho. Eu estava errada ao pensar assim”, afirmou Nichole Schwartz, ex-gerente de pesquisa da Meta.

Fontes bem informadas e ex-funcionários sugeriram que as demissões eram uma tática de intimidação para desencorajar discordâncias dos funcionários a respeito da reformulação de Zuckerberg. Um ex-funcionário sênior sugeriu que alguns dos demitidos criticaram os planos do chefe da Meta. “Isso está criando um ambiente de – ‘ou você está conosco ou está contra nós’”, comentou uma das fontes.

A Meta recusou-se a comentar o assunto.

Um funcionário da Meta disse ao “Financial Times” que os que continuam empregados estão optando por ser cautelosos para poder sobreviver. “As pessoas estão preocupadas com a possibilidade de que isso desestimule a tomada de riscos. Eu, pessoalmente, decidi reduzir minhas ambições e me concentrar em vitórias fáceis e seguras”, explicou. “As pessoas não só estão com medo de fazer grandes apostas, como também têm medo de tirar licença-maternidade ou licença por falecimento de um parente.”

Para um ex-funcionário da Microsoft, as demissões criaram “um pouco de medo internamente” e a decisão de rotular pessoas como tendo baixo desempenho representou uma “mudança de clima” na empresa. Ele observou ainda que a maior parte das atividades sindicais em todo o setor já tinha sido interrompida vários anos atrás.

A Microsoft deu uma resposta curta: “Nós nos concentramos em talentos de alto desempenho. Estamos sempre trabalhando para ajudar as pessoas a aprender e a crescer. Quando as pessoas não têm um bom desempenho, tomamos as medidas apropriadas.”

Existe a expectativa de que alguns dos demitidos entrem com processos por discriminação. Mas não há muitas proteções para a maioria dos funcionários dispensados por desempenho nos EUA – sede de boa parte das grandes empresas de tecnologia – mesmo quando a justificativa de fundo pode não ter como base o desempenho.

“Em geral, a regra é que a empresa pode demitir sem justa causa”, disse Shannon Liss-Riordan, advogada de direitos trabalhistas que moveu ações coletivas contra empresas como Uber e Twitter. “Se um funcionário é dispensado com base no desempenho, quando não há uma questão legítima, a lei não permite automaticamente que você conteste isso.”

A lei federal dos EUA Worker Adjustment and Retraining Notification (Warn) exige que os empregadores com mais de 100 funcionários deem um aviso prévio de pelo menos 60 dias antes de promoverem demissões em massa. Mas essa obrigação não existe nos casos em que a dispensa está relacionada com desempenho.

Funcionários demitidos por motivos de desempenho não têm direito a indenizações por rescisão de contrato ou a certos benefícios do desemprego. Em algumas empresas, entre elas a Microsoft, eles perdem o acesso a recursos internos de inscrição de currículos e entrevistas de emprego que estão disponíveis para colegas demitidos por conta de reestruturações.

Um funcionário sênior da área de seleção de pessoal de uma grande empresa de tecnologia afirmou que as empresas poderiam ser obrigadas na justiça a modificar sua decisão de demitir um funcionário com base no desempenho, principalmente se não tivessem preenchido a vaga antes.

O mesmo recrutador acredita que é pouco provável que os funcionários sejam estigmatizados por causa das demissões, dado o nível de rotatividade que existe no Vale do Silício. “As pessoas sabem que as políticas interna e externa têm um papel enorme em tudo isso”, disse ele. “Boas pessoas conhecem boas pessoas. E demissões não [mancham] a imagem de uma boa contratação.”

“Em última instância, isso depende de como você encara a coisa”, acrescentou.

Fonte: Valor Econômico
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