Presidente do TST defende mais debate em redução de jornada e ‘uberização’ regulada pelo Congresso

Presidente do TST defende mais debate em redução de jornada e ‘uberização’ regulada pelo Congresso

Publicado em 18 de novembro de 2024

Aloysio Corrêa da Veiga quer, em seu mandato, reafirmar a competência da Justiça do Trabalho.

Em meio ao debate crescente em torno da proposta de emenda à Constituição (PEC) que acaba com a escala de seis dias trabalhados para um de folga (6×1), o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Aloysio Corrêa da Veiga, defende que a redução da jornada de trabalho ainda demanda discussões e o foco central deveria ser o pleno emprego no Brasil.

“Não estou criticando [a PEC], estou apenas constatando que a nossa preocupação maior teria que ser com o pleno emprego. Se nós tivermos o pleno emprego, podemos nos dedicar a uma série de outros elementos, como capacitação”, disse Corrêa da Veiga em entrevista ao Valor.

Ele destacou ainda que a “uberização” deve ser regulada pelo Congresso Nacional, que está “meio parado”. E que o Supremo Tribunal Federal (STF), nesse momento, está sendo provocado para dizer se há ou não vínculo de emprego. “É claro que o Judiciário é chamado a julgar quando os outros demoram.”

Corrêa da Veiga assumiu o tribunal em outubro, substituindo o ministro Lelio Bentes Corrêa. Durante seu mandato (2024-2026), ele quer reafirmar a competência da Justiça do Trabalho. Para o ministro, temas trabalhistas devem ser julgados pelo esfera do trabalho, e não pela Justiça comum. E pretende ampliar a cultura de precedentes no tribunal e a conciliação. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: A mudança da escala de trabalho 6 por 1, em discussão no Congresso, governo e redes sociais, propõe diminuir a carga horária semanal de 44 para 36 horas. Como o senhor vê uma possível alteração na jornada de trabalho?

Aloysio Corrêa da Veiga: Nós já tivemos variações em relação à jornada de trabalho. Hoje, a nossa Constituição diz 44 horas semanais, mas a França, por exemplo, já se posicionou por 36 horas, assim como outros países europeus. Então, é uma questão da vontade do povo e é preciso tramitação no Congresso Nacional. A PEC da deputada Erika Hilton (Psol-SP) já obteve o número necessário de adesões para a tramitação. Eu entendo que as pessoas precisam de tempo para se dedicar ao estudo e outras atividades, mas a jornada de trabalho é uma questão complexa. A começar porque ela é característica de vinculação no contrato formal de trabalho, regulado pela CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Nas outras modalidades de relação de trabalho, há uma flexibilidade um pouco maior, pelo princípio da autonomia da vontade, não intervenção do Estado, todas essas questões. É um tema complexo e é preciso desenvolver um estudo sobre isso e ampliar o debate. O que nós estamos precisando no Brasil é de pleno emprego, porque temos uma diversidade muito grande e uma desigualdade abissal. Houve aumento da relação de emprego, mesmo assim, o contingente da informalidade é muito grande. Então nós precisamos – não estou criticando, estou apenas constatando – que a nossa preocupação maior seja com o pleno emprego. Se nós tivermos o pleno emprego, podemos nos dedicar a uma série de outros elementos, como capacitação.

Valor: Na avaliação do senhor, a discussão sobre a jornada estaria atropelando outras importantes discussões trabalhistas?

Corrêa da Veiga: Não está atropelando, cada coisa no seu tempo. Pode conviver. Nós podemos tratar de tudo ao mesmo tempo.

Valor: O ministro Edson Fachin, do Supremo, chamou audiência pública em dezembro para discutir a “uberi zação” do trabalho. Como o senhor entende essa nova relação de trabalho?

Corrêa da Veiga: A relação do trabalho se ampliou em demasia. Na questão da uberização é preciso entender o seguinte: há aqueles que podem ser empregados; outros são profissionais; há aqueles que pegam o Uber como complemento de renda; e outros, como os da terceira idade, que querem ter uma renda extra e sem vinculação objetiva de trabalho, de subordinação de horário etc. Então cada situação precisa ser abrangida, sob pena de se criar uma regra única para situações diferentes. Por exemplo: é legítima a possibilidade de um estudante nas férias fazer um Uber? A questão fica em aberto. Então é preciso que haja ampliação do debate e claro que o foro competente seria o Congresso.

Valor: Cabe ao STF discutir o tema da uberização?

Corrêa da Veiga: O Supremo está sendo convocado porque a atividade jurisdicional é provocada, ela não é de ofício. Está sendo provocado para dizer o seguinte: tem ou não tem vínculo de emprego. Precisamos entender que três coisas exigem uma solução imediata: a Previdência Social, o seguro a acidente e a desconexão. A Previdência Social é contributiva, nós precisamos contribuir para ter o retorno. Quanto ao seguro de acidente, é preciso ter algo: morrem dois motoqueiros por dia em São Paulo de acidente. O terceiro é a desconexão: eu não posso fechar os olhos para que a uberização permita a uma pessoa ficar 18 horas ligada. É um risco absoluto, para o trabalhador e para a sociedade.

Valor: O senhor acredita que o Supremo vai decidir antes a questão do vínculo e depois o Congresso Nacional vai regular?

Corrêa da Veiga: Eu creio que o Congresso está meio parado. Eles são os nossos representantes e já deviam estar com um grupo de trabalho abrangente sobre isso para aprofundar o debate. É claro que o Judiciário é chamado a julgar quando os outros demoram.

Valor: Recentemente o ministro Flávio Dino disse, durante um julgamento na 1ª Turma, que seria preciso revisitar a decisão do STF que permitiu a terceirização da atividade-fim porque estão confundindo terceirização e “pejotização”. O senhor também vê essa confusão?

Corrêa da Veiga: Pejotização e terceirização são dois institutos diferentes. A pejotização é um neologismo para designar uma pessoa jurídica unipessoal, o PJ. Então a relação que se daria é da pessoa jurídica diretamente com o tomador de serviço. Nós temos hoje várias formas, como o MEI [Microempreendedor Individual]. Na terceirização, há uma tripartição na atividade. O prestador de serviço, uma empresa prestadora de serviço e uma empresa tomadora de serviço. A reforma trabalhista entendeu que a terceirização é possível na atividade-fim. Isso já está pacificado e sedimentado. Sobre a pejotização é preciso entender o seguinte: quando houver fraude, há a descaracterização da própria pejotização. Então é preciso saber da apuração da fraude no julgamento. Agora, dentro das relações normais, não se pode presumir fraude.

Valor: Os ministros do Supremo vêm apontando um crescimento de reclamações constitucionais em matéria trabalhista. Existe resistência da Justiça do Trabalho em cumprir os precedentes firmados no STF?

Corrêa da Veiga: O que tem havido com a reclamação constitucional é que ela é interposta “per saltum”, ou seja, a parte não esgota toda a instância trabalhista e uma decisão precária de um juiz do primeiro grau desafia a decisão constitucional antes mesmo da instância trabalhista se manifestar. Se fossem cumpridas as etapas processuais, diminuiria- se em um décimo a quantidade de reclamações. Às vezes acusam a Justiça do Trabalho de estar descumprindo decisões do STF. Não é verdade, não há descumprimento.

Valor: Por que as partes preferem recorrer diretamente ao STF e não seguir todas as etapas da Justiça trabalhista. Estratégia processual?

Corrêa da Veiga: Com certeza. Diferentemente do processo civil, no processo do trabalho só se chega no STF depois que se esgota toda a instância trabalhista. Ou seja, o processo passa pelo primeiro grau de jurisdição, segundo grau e chega no TST. Só depois de julgado pelo TST é que se desafia um recurso extraordinário no STF. A reclamação constitucional diminui esse caminho. Na Justiça comum não há necessidade dos tribunais regionais, é possível um recurso especial para o STJ [Superior Tribunal de Justiça] e um recurso extraordinário para o STF concomitantemente.

Valor: Na opinião do senhor, o uso da reclamação constitucional pelas partes sem esgotamento das instâncias trabalhistas é uma atitude de desrespeito à Justiça do Trabalho?

Corrêa da Veiga: Não, pois a lei processual civil garantiu que toda vez que houver uma decisão contrária à decisão do STF desafia o julgado à reclamação constitucional. Mas isso está demonstrando que realmente é desnecessário o “per saltum”. Isso facilita a parte porque eu tenho um resultado imediato sem precisar esgotar as instâncias.

Valor: Nas últimas duas eleições tivemos muitas denúncias de assédio eleitoral, em especial em 2022. Como o TST vem tratando essa questão?

Corrêa da Veiga: Todo assédio é condenável. Agora vou dizer o seguinte: não é uma novidade. Antigamente davam uma bota, dentadura. Era a modalidade de se obter votos. E isso mudou. A nossa mudança foi radical. A velocidade da mudança foi radical por causa das novas tecnologias.

Valor: O senhor assumiu recentemente o TST. Quais serão as marcas que quer imprimir em sua gestão?

Corrêa da Veiga: Equilíbrio, coerência e estabilidade nas decisões e isso só se dará com a cultura de precedente a partir de julgamentos aprofundados sobre temas repetitivos. Assim como estabelecermos a cultura da conciliação, o que já vínhamos fazendo no âmbito da vice-presidência.

Valor: Em seu discurso de posse, o senhor disse que é preciso que a Justiça do Trabalho reafirme a sua competência. O que isso significa?

Corrêa da Veiga: Quem conhece a relação de trabalho para julgar é a Justiça do Trabalho. Então é não abrandar a competência constitucional que nos é reservada.

Fonte: Valor Econômico
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