Recreio do professor: período de descanso

Recreio do professor: período de descanso

Publicado em 6 de novembro de 2024
Por Jorge Matsumoto

A interpretação das normas trabalhistas precisa refletir a realidade das escolas e o direito dos professores ao descanso.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1058 traz para o debate a questão do recreio dos professores: seria esse um tempo à disposição do empregador, integrando a jornada de trabalho? Essa discussão é pertinente devido à decisão liminar que suspendeu a presunção do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a qual determinava que o recreio deve compor a jornada de trabalho. A interpretação do artigo 4º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é essencial aqui, pois define como tempo à disposição o período em que o empregado está aguardando ou executando ordens do empregador.

Uma análise crítica revela que o recreio não se configura como tempo à disposição do empregador. Esse intervalo é frequentemente destinado ao descanso dos professores, sendo usado para atividades pessoais, sem qualquer vínculo com as obrigações laborais. Tratar o recreio como tempo de trabalho não apenas impõe uma interpretação inadequada à legislação, mas também desconsidera o contexto cotidiano das escolas, criando um passivo trabalhista significativo e desproporcional. Tal presunção forçaria escolas a arcarem com custos elevados, comprometendo financeiramente instituições de menor porte e, na prática, resultaria em aumentos nas mensalidades escolares, penalizando diretamente os alunos e suas famílias.

O artigo 4º da CLT fundamenta o entendimento de que o recreio, por não envolver a execução ou a espera de ordens, não deve ser incluído automaticamente na jornada. Durante o recreio, o professor, em regra, está isento de suas funções, não atuando em atividades de supervisão ou atendimento que o vinculassem ao empregador. Forçar a inclusão do recreio como tempo de trabalho ignora o caráter essencial desse intervalo para a saúde física e mental dos professores, além de infringir seu direito ao descanso, o que é fundamental para o bom desempenho de suas funções.

A imposição do recreio como tempo de trabalho também fere princípios de razoabilidade e proporcionalidade, que devem nortear decisões trabalhistas. Ao desconsiderar que muitos professores utilizam esse tempo para recompor energias, a decisão impõe uma interpretação inflexível, ignorando a autonomia dos docentes e impondo uma obrigação financeira pesada sobre as escolas. Essa medida cria um passivo que não reflete a prática real nas instituições de ensino, desestabilizando o equilíbrio econômico e organizacional do setor educacional e limitando o acesso dos alunos à educação com aumentos de custos que seriam, em sua maioria, desnecessários.

No voto divergente do ministro Flávio Dino, argumenta-se que o professor, em geral, estaria à disposição do empregador, pois poderia ser requisitado para atender alunos ou preparar materiais. No entanto, essa presunção parte de uma visão generalizada e irrealista da rotina dos professores. Em muitas instituições, o recreio é efetivamente um momento de descanso, crucial para que o docente possa retomar suas atividades com a disposição e a concentração necessárias. Assumir que todo professor utiliza o recreio para atividades laborais é um exagero, além de desconsiderar o efeito positivo do descanso no desempenho e na qualidade de ensino.

Do ponto de vista constitucional, a Constituição Federal privilegia a negociação coletiva como meio de adaptação das condições de trabalho às especificidades de cada setor, conforme previsto no artigo 7º, inciso XXVI. A maioria das convenções coletivas já trata o recreio como um intervalo destinado ao descanso e não como parte da jornada de trabalho. Forçar as instituições de ensino a desconsiderarem esses acordos e a seguirem uma regra inflexível cria insegurança jurídica, desrespeitando a autonomia das instituições para gerir seu regime de trabalho e impondo uma regra que não corresponde à realidade dos docentes.

Ao excluir o recreio como tempo à disposição do empregador, protege-se tanto o equilíbrio nas relações trabalhistas quanto a sustentabilidade econômica das instituições de ensino. A presunção absoluta do TST de que o recreio integra a jornada ignora as particularidades de cada contexto, transferindo para as escolas um ônus financeiro e jurídico que é, em grande parte, desnecessário e desproporcional. A regra generalizada de tratar o recreio como tempo de trabalho distorce as relações laborais, eliminando o caráter de autonomia que muitos professores têm durante esses intervalos e ignorando a necessidade de descanso.

Por fim, a ideia de tratar o recreio como tempo de trabalho em regra desconsidera a autonomia dos professores, impondo uma obrigação que não condiz com a realidade das escolas. Embora o objetivo possa ser proteger os direitos dos trabalhadores, essa interpretação rígida resulta em distorções, impondo encargos às instituições que não correspondem à realidade prática. Ao desconsiderar a particularidade de cada situação, a presunção do TST penaliza instituições de ensino e professores, que precisam desse intervalo como um direito fundamental ao descanso.

Em conclusão, o recreio dos professores não deve ser considerado tempo à disposição do empregador. A interpretação das normas trabalhistas precisa refletir a realidade das escolas e o direito dos professores ao descanso. Respeitar o caráter de descanso do recreio e afastá-lo da jornada de trabalho garante o equilíbrio nas relações de trabalho e evita custos desnecessários para as instituições de ensino, preservando o acesso dos alunos à educação e garantindo que os professores possam manter sua autonomia e bem-estar.

Fonte: Valor Econômico
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