Sentença considera válido acordo para demissões de funcionários acima de 62 anos

Sentença considera válido acordo para demissões de funcionários acima de 62 anos

Publicado em 29 de outubro de 2024

Na decisão da 51ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, foi desconsiderada a discriminação por etarismo.

Uma decisão incomum na Justiça do Trabalho manteve acordo coletivo firmado pelo Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), da Eletrobras, que previa a dispensa de cerca de 10% dos funcionários acima de 62 anos – aposentados ou prestes a fazer o pedido para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Foi desconsiderada a discriminação por etarismo no caso.

A sentença foi proferida pela juíza Alessandra Jappone Rocha Magalhães, da 51ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. A funcionária que questionou o acordo coletivo entrou com recurso, que está pendente de julgamento.

Segundo advogados, acordos coletivos dessa natureza, mesmo que mediados por sindicatos, são minoria hoje no mercado. Decisões como essa também destoam do entendimento majoritário do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Segundo levantamento do escritório Trench Rossi Watanabe, todas as oito turmas da Corte já proferiram decisões favoráveis aos trabalhadores.

No caso julgado pela Justiça do Rio, a funcionária, admitida no Cepel por concurso público em 2006, procurou o Judiciário após ter sido demitida aos 62 anos. Nos autos, alega ter sido discriminada pela idade e pede a anulação da dispensa. Cerca de 20 pessoas foram desligadas.

A Cepel defende ser uma associação civil e de direito privado. Portanto, não sujeita às normas da administração indireta e com poder para demitir funcionários de forma imotivada. Afirma ainda que a dispensa foi feita em negociação coletiva, sem qualquer conduta discriminatória. E que foi paga indenização adicional de R$ 82,1 mil para a funcionária.

Para a juíza Alessandra Magalhães, o acordo fixa critérios claros e objetivos para os desligamentos, como a prioridade para a dispensa de aposentados e aposentáveis. Por isso, “não se pode presumir como discriminatório o critério adotado”, pois teve participação sindical “na defesa dos interesses dos empregados”.

A magistrada considerou que da mesma forma que é difícil a recolocação no mercado de trabalho de aposentados ou pessoas com idade avançada, o mesmo é aplicável para jovens. Esses funcionários também teriam dificuldades de retornar ao mercado, “por não possuírem experiência pregressa e que não implementaram as condições para aposentadoria” (processo nº 0100445-15.2023.5.01.0051).

O advogado Maximiliano Garcez, da Advocacia Garcez, que atua pela funcionária, diz que conseguiu liminar favorável no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ) para reintegrar a empregada no cargo, mas logo sobreveio a sentença contrária. A desembargadora Evelyn Correa de Guamá Guimarães, considerou que a norma coletiva do Cepel tem “viés etarista, que importou inevitavelmente na violação dos dispositivos constitucionais que vedam a discriminação”.

Garcez cita ainda uma segunda liminar contra o Cepel obtida em favor de um funcionário de 63 anos também desligado por suposto etarismo. Ele foi reintegrado à empresa e está trabalhando. A decisão foi dada pela desembargadora Maria Helena Motta, do TRT-RJ, mas ainda não há sentença nos autos (processo nº 0107171-27.2024.5.01.0000).

Segundo ele e a advogada Juliana Gonçalves, do mesmo escritório, foi apresentado recurso contra a sentença para “obter a reintegração da trabalhadora, com fundamento em precedente do próprio tribunal contra o Cepel em situação idêntica, e também com base em jurisprudência do TST proibindo discriminação laboral baseada em etarismo.”

A sentença, dizem as advogadas Leticia Ribeiro e Priscila Kirchhoff, sócias do Trench Rossi Watanabe, não é o entendimento que ecoa no TST. “Embora reforce o que a reforma de 2017 previa, que era a possibilidade de ter uma tratativa diferente da lei por meio de negociação coletiva, por outro lado, é uma decisão que vai na contramão do entendimento majoritário do TST”, diz Leticia.

Esse tipo de acordo, de acordo com Priscila, tem sido cada vez mais evitado pelas empresas, em nome do movimento ESG. “As próprias empresas não têm buscado o sindicato para esse tipo de negociação com receio que gere uma interpretação equivocada.”

Elas lembram de acórdão recente da 3ª Turma do TST, no qual os ministros condenaram a Companhia Estadual de Geração e Transmissão de Energia Elétrica (CEEE) a indenizar e readmitir funcionário demitido por etarismo. O empregado, contratado em 1977, foi afastado em 2016 e pedia a anulação da dispensa.

A sentença foi contrária a ele, mas foi revertida na segunda instância – decisão mantida pelo TST. Para a Justiça, ficou “demonstrado o caráter discriminatório da dispensa, uma vez que a medida adotada pela ré, sob a justificativa de sanear sua precária situação econômico-financeira, atingiu empregado que já reunia condições para aposentadoria pelo Regime Geral da Previdência Social”. Foi determinada a reintegração do trabalhador no cargo.

O ministro Mauricio Godinho Delgado, da 3ª Turma do TST, afirmou que o artigo 373-A, II, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) veda recusar emprego ou motivar uma dispensa do trabalho por conta da idade. “Não por mera coincidência, os trabalhadores aposentados ou às vésperas da aposentadoria ostentam idade mais avançada. Nesse sentido, inclusive, tem sido decidido nesta Corte Superior, conforme julgados envolvendo idêntica parte reclamada”, diz (processo nº 20694-86.2017.5.04.0024).

Por meio de nota ao Valor, a Cepel afirma que as dispensas estão amparadas pela cláusula oitava do acordo de 2022/2024. “Toda a negociação do ACT [acordo coletivo de trabalho] contou com a participação ativa dos trabalhadores, representados pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Energia do Rio de Janeiro e região (Sintergia-RJ) e pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ)”.

Já a CPFL Energia, que adquiriu a CEEE, disse que “não compactua com atitudes discriminatórias de qualquer natureza” e que as demissões são de 2016, “antes portanto da aquisição do controle da empresa pela CPFL, que ocorreu no leilão de 2021”.

Fonte: Valor Econômico
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