Supremo aceita reclamação e derruba vínculo de emprego de diretor estatutário

Supremo aceita reclamação e derruba vínculo de emprego de diretor estatutário

Publicado em 23 de julho de 2024

Decisão é da 2ª Turma e altera entendimento contra a adoção desse tipo de recurso.

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o vínculo de emprego de um diretor estatutário reconhecido pela Justiça do Trabalho. A decisão, por três votos a dois, foi dada em reclamação constitucional e afasta o entendimento que o colegiado havia manifestado no início do ano de que esse tipo de medida – que leva o caso direto ao STF – não deveria ser aceito enquanto houver etapas anteriores para recurso ou quando envolver análise de prova.

As empresas passaram a usar as reclamações constitucionais para alegar que essas decisões que reconhecem vínculo de emprego estariam contrariando o precedente do STF que autorizou a terceirização da atividade-fim (RE 958.252). No começo do ano, porém, tanto a 1ª quanto a 2ª Turmas haviam negado os pedidos.

Na 2ª Turma, havia prevalecido o entendimento do ministro Edson Fachin de que reclamações não poderiam ser aceitas sem esgotar todas as instâncias e que discussões de fatos não deveriam ser analisadas pelo Supremo – quando, por exemplo, a Justiça do Trabalho, ao verificar as provas, detecta indícios de fraude nas relações de trabalho.

Mas, em nova decisão, prevaleceu na 2ª Turma o voto do ministro Gilmar Mendes, que aceitou a reclamação para determinar a aplicação do precedente sobre terceirização. O que garantiu maioria foi a mudança de voto do ministro Dias Toffoli, que passou a acompanhar Mendes.

Do acervo de reclamações em trâmite (3.691), quase metade está no ramo do direito do trabalho (1.761), de acordo com dados disponibilizados pelo Supremo por meio do sistema Corte Aberta.

A reclamação que derrubou o vínculo de diretor estatutário foi proposta pela Celistics Barueri Transportadora (Rcl 64445), para modificar decisão da 4ª Vara do Trabalho de Barueri (SP). A empresa alegou que o entendimento desrespeita o precedente do Supremo sobre terceirização.

O diretor havia pedido o reconhecimento de vínculo de emprego para o período em que atuou como estatutário, entre abril de 2013 e outubro de 2019. Alegou “subordinação jurídica”. O valor requerido na ação é de cerca de R$ 5 milhões.

A empresa, por sua vez, argumentou que o diretor tinha uma contraprestação mensal mínima de R$ 44.922,00, atuando em plena autonomia, sem controle ou mesmo subordinação, reportando-se de forma meramente administrativa e estrutural ao Conselho de Administração formado pelos acionistas.

Em seu voto, o relator, ministro Edson Fachin, indicou que vem reconhecendo o descabimento da reclamação constitucional como um meio de desconstituir vínculos reconhecidos pela Justiça do Trabalho. Destacou que a medida não permite nova valoração de fatos e provas nem a aplicação dos paradigmas para situações que não sejam estritamente condizentes com eles.

O ministro afirmou ainda que, apesar do seu entendimento pessoal, vinha adotando a posição do Supremo e admitindo reclamações, até ver uma mudança na 1ª Turma (Rcl 61438) e retomar sua posição pessoal. Para Fachin, isso indica que “a questão não está completamente sedimentada no âmbito deste tribunal”.

“Há que se ter em mente a ausência de vulnerabilidade técnica do diretor estatutário”

Contudo, Fachin ficou vencido, prevalecendo o voto do ministro Gilmar Mendes. Ele destacou que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem colocado entraves a opções políticas chanceladas pelo Executivo e pelo Legislativo.

“Ao fim e ao cabo, a engenharia social que a Justiça do Trabalho tem pretendido realizar não passa de uma tentativa inócua de frustrar a evolução dos meios de produção, os quais têm sido acompanhados por evoluções legislativas nessa matéria”, afirmou.

Ainda segundo o ministro, com base nos julgamentos do STF, não há como se reconhecer o vínculo empregatício entre empresários individuais, sócios de pessoa jurídica contratada para a prestação de serviços, prestadores de serviços autônomos ou figurantes de relações jurídicas de natureza cível/empresarial e a empresa contratante.

De acordo com Alessandra Barichello Boskovic, sócia da área trabalhista do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, há cerca de dois anos aumentou muito o uso de reclamações no STF, em especial para fazer valer a jurisprudência sobre terceirização. Apesar de algumas decisões recentes não aceitarem reclamações, não haveria uma mudança no entendimento dos ministros do STF sobre terceirização, mas uma calibragem. “Existem casos em que há fraude e o STF mantém a decisão da Justiça do Trabalho”, afirma.

Um dos representantes da empresa no processo, Ricardo Calcini, professor de Direito e sócio do Calcini Advogados, considera que a decisão reforça que a condição de diretor estatutário eleito de sociedade anônima afasta a subordinação jurídica inerente à relação empregatícia da CLT. “Há que se ter em mente a completa ausência de vulnerabilidade técnica do diretor estatutário.”

Daniel Pereira da Costa, sócio do Mitchell, Pereira da Costa Advogados Associados, que também atuou no processo, afirma que, apesar de não ser uma terceirização típica, é uma relação de trabalho que não é celetista. O advogado reforça haver hoje a previsão legal de que profissionais com absoluta liberdade e independência podem firmar acordos com os empregadores, como aconteceu na situação sob análise. “O caso é significativo e indica que as empresas podem contratar executivos mediante contrato de trabalho de natureza civil e não celetista”, diz.

Fonte: Valor Econômico
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