Você sabe usar seu smartphone no trabalho?

Você sabe usar seu smartphone no trabalho?

Publicado em 22 de julho de 2024
Por Sofia Esteves

A colunista Sofia Esteves defende a importância de uma autonálise em relação ao excesso de telas do mundo atual.

Eu sei, essa pergunta soa completamente estranha e até um pouco fora de época, como se o produto tivesse acabado de ser lançado. No entanto, o celular com acesso a internet e outros recursos está em nossas mãos há muito tempo – foi popularizado com o lançamento do iPhone, da Apple, lá em 2007.

Isso significa que, hoje, nas escolas, temos estudantes que nunca conheceram uma realidade sem smartphones. Para esse grupo, o mundo sempre esteve conectado através de uma telinha. Estou me referindo a crianças e jovens que praticamente nasceram com um aparelho na mão e que, não raras vezes, o manejam com mais destreza que uma pessoa adulta.

Só que toda essa experiência não significa que, de fato, as gerações saibam usar o recurso da melhor forma. E, quando me refiro às gerações, não me limito àquelas mais novas. Nós, pessoas adultas, também precisamos refletir sobre o assunto.

Nos últimos anos, discussões sobre a proibição de telas para crianças e até o banimento de celulares nas escolas ganharam força em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. No Rio de Janeiro, os dispositivos eletrônicos foram proibidos em escolas públicas municipais; já em São Paulo, surgiu o Movimento Desconecta, formado por um grupo de mães que defende o adiamento do acesso de crianças e adolescentes aos smartphones – só para citar dois exemplos deste ano.

Não vou entrar no mérito da questão e discutir se as propostas são muito radicais ou não. O que me interessa aqui é fazer um convite para uma autoanálise: será que são só as pessoas mais novas que precisam de um limite para as telas e que devem aprender a utilizar melhor seus celulares? Nós, pessoas adultas, não nos beneficiaríamos de uma reeducação nesse sentido?

Assim como eu, parte de quem lê esta coluna nasceu em uma época em que as ligações eram somente em números fixos, os documentos eram enviados via fax, as imagens eram registradas por câmeras fotográficas e palavras como “aplicativos” e “redes sociais” não constavam no dicionário.

Veio o smartphone e, aos poucos, na base do teste, fomos descobrindo todas as suas possibilidades. Mais: fomos incorporando o aparelho em diferentes momentos e aspectos da nossa vida, inclusive como uma ferramenta de trabalho.

Não recebemos um “manual de instrução social”, um guia de uso produtivo ou qualquer coisa que o valha. Como acontece hoje com outras tecnologias, fomos aprendendo na prática.

Veja, meu ponto aqui não é me queixar do passado ou fazer um discurso contrário à tecnologia, mas apenas constatar o fato de que, assim como as nossas crianças e jovens, incorporamos algo em praticamente todos os aspectos da nossa vida sem saber ao certo o seu impacto. E, justamente por isso, talvez precisássemos discutir não só a educação digital da juventude, mas também a nossa. Afinal, todo mundo está sujeito aos efeitos do excesso de telas.

Já existem trabalhos que mostram, por exemplo, uma piora da saúde mental, independentemente da idade, por conta do tempo prolongado diante das telas. Uma tese defendida em 2023 no Programa de Pós-graduação em Medicina Molecular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) identificou traços de nomofobia (medo de ficar longe do celular) em grupos idosos.

Outro achado preocupante foi que o uso excessivo dos smartphones pode levar à diminuição do quociente de inteligência (QI) antes do previsto, uma vez que, quando grudados na telinha, deixamos de realizar outras atividades e desenvolver habilidades que contribuem para o funcionamento ativo do cérebro.

De novo, a crítica não é ao produto em si, às telas, às redes sociais. A questão é sobre a falta de senso crítico na utilização do aparelho. Todo mundo está cansado de escutar aquele discurso de que a tecnologia não é o problema, e, sim, a forma que a empregamos no dia a dia. Sabemos disso, mas será que levamos essas palavras a sério?

Quantos de nós já parou para analisar se o celular tem ajudado a melhorar a produtividade ou servido mais como uma fonte de distração? Sabemos quanto tempo é gasto em diferentes aplicativos? Conseguimos manter o foco em uma reunião ou dividimos nossa atenção entre o mundo físico e o digital?

Repensar a nossa relação com dispositivos tecnológicos não é um sinal de incompetência. Não significa pouca familiaridade com as inovações do mundo digital. Trata-se, na verdade, de um reconhecimento de que, por mais intuitivo que seja, o uso de algumas tecnologias precisa ser (re)aprendido.

Analisar sua relação com as telas e, a partir disso, passar por um processo de reeducação demonstra uma consciência acerca da complexidade desse pequeno objeto que nos acompanha para tudo quanto é canto. Smartphones e outras ferramentas podem, sim, colaborar com a nossa produtividade, mas, para isso, precisamos saber aproveitar as vantagens de uma inovação sem nos tornarmos reféns da mesma.

Esse ponto de equilíbrio não é fácil nem para as crianças, nem para quem tem mais idade. Investir na educação digital é o caminho para todas as gerações.

Fonte: Valor Econômico
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