A Desigualdade no Enquadramento de Comerciários como Bancários

A Desigualdade no Enquadramento de Comerciários como Bancários

Da Jurisprudência

Nos últimos anos é cada vez mais comum a parceria entre grandes varejistas e financeiras a fim de viabilizar crédito aos clientes. Nada mais natural, pois é no momento de consumir que o cliente sente falta do crédito a viabilizar a compra. O mercado (livre) pode ter inúmeros defeitos, mas sua atuação é sempre racional na busca de seu primordial objetivo, o lucro. Esta atuação, desde que pautada em premissas lícitas, não pode sofrer limitações, sob pena de violação ao princípio constitucional da liberdade econômica.

Pois bem, tais parcerias se dão no modelo de correspondente bancário, reguladas pela Resolução n° 3.954/2011 do Banco Central, que enumera em seu artigo 8º as atividades que podem ser objeto dessa modalidade de contratação.

Do ponto de vista empresarial a estratégia sempre foi um sucesso, pois ao viabilizar o crédito na ponta do varejo, as vendas foram impulsionadas. Neste caso, o crédito não é fornecido pela varejista, mas pela financeira. Os empregados da varejista apenas atendem o cliente, recebem seus dados e inserem no sistema da financeira, que, através de métricas próprias, oferecem o crédito. Não há qualquer atividade analítica por parte do empregado da varejista, que simplesmente age como uma ponte entre seu empregador e o sistema da financeira.

Entretanto, através de uma interpretação míope, descontextualizada da realidade acima descrita, muitos empregados passaram a postular na Justiça do Trabalho o enquadramento como empregado de financeiras/bancos. Isto porque, a legislação trabalhista confere aos empregados de financeiras/bancos um tratamento privilegiado. O limite de jornada diário de seis horas é o exemplo mais gritante. Outrossim, historicamente as normas coletivas aplicáveis aos bancários/financiários possui vantagens superiores às previstas nas normas coletivas aplicáveis aos comerciários.

O tema ainda está em debate na jurisprudência, mas importantes precedentes já nos revelam um caminho a trilhar.

No ano de 2016 o Tribunal Pleno do TST decidiu, no Processo TST-E-RR-210300-34.2007.5.18.0012, pela impossibilidade de enquadramento dos empregados da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, que atua no Banco Postal, como bancários. Destaca-se que a celeuma instaurada nas ações movidas pelos empregados do ECT é mesma dos processos dos comerciários em desfavor das varejistas eis que estabelecem como controvérsia os direitos inerentes ao trabalhador bancário, tais como jornada de seis horas, na forma do art. 224 da CLT e a aplicação das normas coletivas desta categoria profissional.

A partir da decisão proferida pelo Pleno do TST em relação aos empregados do ECT a Corte também passou a não reconhecer os comerciários como bancários e/ou financiários. O principal fundamento das decisões é a impossibilidade de comparar as atividades de um correspondente bancário aquelas exercidas por financiários/bancários uma vez em que as atividades são mais complexas e abrangentes daquelas elencadas no art. 8º da Resolução n° 3.954/2011 do Banco Central. As decisões do TST também se valem da legalidade da terceirização assegurada pela Lei 13.467/17.

Inobstante tais decisões, no âmbito do TRT/4 algumas turmas ainda insistem em reconhecer o enquadramento. Estas decisões, além de não respeitar a posição majoritária do TST, desconsideram a regra básica estabelecida pela legislação trabalhista de que o enquadramento sindical se dá de acordo com a atividade preponderante da empresa, conforme estabelecem os § 1º e 2º do art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Não há dúvidas que a legislação pátria tem como premissa garantir que todos os trabalhadores recebam tratamento igualitário, mas essa premissa prevalece apenas quando há submissão a situações idênticas, eis que a isonomia exige que sejam tratados desigualmente aqueles que se encontram em condições de manifesta desigualdade.

Ao fim e ao cabo, o empregado da varejista que simplesmente oferece um produto financeiro ao cliente está atuando em par de igualmente àquele que oferece um artigo de vestuário. Comparar sua atividade àquelas desempenhadas por bancários/financiários contraria o verdadeiro sentido aristotélico da igualdade.

Gabriela Balkanski Baggio e Eduardo Caringi Raupp

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