A Lacuna legal e a possibilidade de solicitação de teste de gravidez no ato demissional

A Lacuna legal e a possibilidade de solicitação de teste de gravidez no ato demissional

Da Doutrina

É sabido que a legislação brasileira, no que concerne à proteção do trabalho da mulher – aqui, mais especificamente, da empregada gestante -, é clara ao proibir atos discriminatórios na admissão e na manutenção do emprego da trabalhadora em estado gravídico. Todavia, apesar das recentes alterações legislativas, ainda existe uma lacuna legal a respeito da possibilidade de uma “discriminação positiva” no ato demissional, qual seja, a realização de exame de gravidez após a comunicação da rescisão contratual e antes da homologação da ruptura da relação de emprego. O exame visa a manutenção do emprego e renda da gestante, protegendo, diretamente, os direitos do nascituro.

A Lei nº 9.029, de 13/04/1995 – conhecida como Lei Benedita da Silva -, tem por escopo a proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho da mulher. A prática também é impossibilitada pelo Artigo 373-A, Incisos II e IV da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que veda, expressamente, o empregador de recusar emprego, promoção ou dispensar uma funcionária grávida, à exceção de atividade que ofereça riscos à empregada e/ou a gestação, além de proibir a exigência de “atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego”.

Os referidos diplomas legais vão ao encontro do previsto no art. 10, II, “b” da ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias), que garante à gestante estabilidade no emprego desde à concepção até cinco meses após o parto. Do mesmo modo, a previsão constitucional encontra-se sumulada pela Corte Superior do Trabalho, através do verbete nº 244[1].

Ao fim e ao cabo, o ordenamento jurídico pátrio tem a finalidade de impedir o empregador que, tendo conhecimento prévio do estado gravídico, deixa de admitir a candidata ao emprego por tal razão ou que procede em dispensa discriminatória motivada pelo estado gestacional.

Sendo assim, pela análise do sistema jurídico, a primeira conclusão que se extrai é que são vedados por lei a realização de testes, exames, laudos ou perícias destinadas a constatar a ocorrência de gravidez da trabalhadora, tendo em vista que tal conduta é caracterizada como discriminatória.

Ocorre que, em verdade, a legislação considera como discriminatórias contra a empregada apenas as práticas limitativas de acesso à relação de trabalho ou sua manutenção, não havendo supedâneo legal acerca da proibição de realização de teste de gravidez no ato da demissão.

Ao revés, o entendimento de parcela significativa da doutrina e da jurisprudência, recentemente reforçado pelo Tribunal Superior do Trabalho[2], é no sentido de que a realização do exame de gravidez, quando da demissão da empregada, objetiva dar segurança jurídica ao término do contrato de trabalho, na medida em que caso a funcionária esteja grávida (muitas vezes até sem conhecimento da própria trabalhadora), o empregador poderá resguardar o direito da empregada gestante ao emprego, conforme o mandamento constitucional.

Nesse sentido, são os ensinamentos de Sérgio Pinto Martins[3]: Nada impede, contudo, à empresa solicitar exame médico na dispensa da empresa, visando verificar se esta está grávida, justamente por ter por objetivo manter a relação de emprego, caso o resultado seja positivo. O empregador não poderá saber se a empregada está ou não grávida se não proceder ao exame. A prática do empregador de solicitar o exame médico para a dispensa da empregada é um ato de segurança para as próprias partes da condição de garantia de emprego da obreira, para efeito da manutenção da relação de emprego no caso de estar ela grávida, não representando crime, infração administrativa ou outra qualquer. Não se trata, assim, de discriminação, pois, ao contrário, está verificando se a empregada pode ou não ser dispensada, pois sem o exame não se saberá se a empregada estava ou não grávida quando da dispensa, que implicaria ou não a reintegração.

Na verdade, a solicitação de realização do exame no ato demissional se caracteriza como meio de efetivação das garantias constitucionais da gestante e do nascituro, e não como ato discriminatório por parte da empregadora.

Isso porque, a demissão – seja por iniciativa do empregador ou da empregada – já está concretizada quando da solicitação do teste de gravidez, que deve ser realizado juntamente com o exame demissional previsto no art. 168, II, da CLT[4]. Assim, resta afastada qualquer alegação de ato discriminatório, posto o exame que realizar-se-á não visa obstaculizar o acesso ao emprego, tampouco será realizado no curso do contrato de trabalho, possuindo o fim exclusivo de segurança jurídica para a empresa e a garantia do emprego da gestante, que poderá ter a demissão postergada para o fim da estabilidade provisória.

A medida, aliás, atende aos anseios da própria trabalhadora gestante, com garantia de emprego e salário, bem como a licença maternidade, propiciando uma gravidez tranquila e saudável, sem a necessidade de manejar, futuramente, uma reclamatória trabalhista.

Todavia, importante salientar que a realização do exame deve ser uma faculdade oferecida à empregada, sob pena de afronta à Carta Magna, que estabelece, em seu art. 5º, II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Nesse norte, já vinha se posicionando o Tribunal Superior do Trabalho[5]: “(…) Vale salientar que, embora não possa exigir, o empregador pode solicitar no exame médico demissional o exame de gravidez, fato este não observado pela empresa. A solicitação de exame de gravidez no exame demissional não colide com o artigo 373-A da CLT e Lei 9029/95, que vedam a exigência de teste de gravidez para fins de acesso e manutenção da relação de emprego. Até porque tal solicitação é em benefício da empregada, pois visa à proteção de seu emprego”

Dessa forma, o requerimento de realização do teste de gravidez no ato da demissão, com a concordância da empregada, não constitui forma de discriminação, posto que a realização do teste visa, única e exclusivamente, a manutenção do emprego – resguardando-se os direitos da gestante e do nascituro – e o respeito à legislação vigente.

Neste diapasão, não há discriminação ou ilegalidade na solicitação do teste de gravidez no ato demissional, restando afastada, igualmente, a possibilidade de alegação de ocorrência de eventual dano moral pela solicitação do exame em comento, posto que, apesar de existir uma corrente divergente, que entende pela violação da intimidade e privacidade da mulher causada pelo requerimento do teste, o caminho jurisprudencial tem se direcionado a um balanceamento entre as normas e princípios que envolvem o tema, decidindo pela priorização da legalidade e das garantias da gestante e do nascituro.

Como refere Calcini, “se é verdade que deve haver proteção ao trabalho da mulher, evitando-se condutas discriminatórias e que a impeçam de ingressar no mercado de trabalho assim como durante a permanência deste, de igual destaque deve existir esta salvaguarda no seu desligamento, de modo que, ao nosso ver, a realização do exame acarreta justamente na defesa de seus interesses.”[6]

Diante a tudo que foi exposto, e considerando-se a ausência de previsão legal quanto ao ponto, as decisões tratando deste tema indicam que a jurisprudência irá se firmar no sentido de permitir a inclusão do teste de gravidez quando da realização do exame demissional.

A realização de exame de gravidez quando da dispensa da empregada não configura violação aos direitos individuais da funcionária, tampouco ato discriminatório. Como já salientado, a realização do exame em discussão objetiva resguardar os direitos do nascituro e da própria trabalhadora, caso esta esteja em estado gravídico, não havendo se falar em “discriminação, tampouco violação do direito à intimidade da trabalhadora ao lhe ser exigido o exame de gravidez por ocasião da sua dispensa, e em consequência, a configuração do alegado dano moral passível de indenização, na medida em que se visou garantir o fiel cumprimento da lei. Intacto, portanto, o art. 5º, X, da Constituição Federal”, como bem decidiu o Ministro Relator ALEXANDRE AGRA BELMONTE, em recente decisão[7] do E. TST.

Fabiane Silva da Silva


[1] Súmula nº 244 do TST

“GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.

I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (artigo 10, II, “b” do ADCT).

II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade.

Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III -A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”.

[2] Processo RR-61-04.2017.5.11.0010, 3ª Turma Tribunal Superior do Trabalho, ministro Relator Alexandre de Souza Agra Belmonte, Acórdão publicado em 18.06.2021.

[3] MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 15. ed., p. 314.

[4] Art. 168 – Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho:

(…)

II – na demissão;

(…)

[5]TST, 1ª T., RR 1441002220085150003, relator ministro Walmir Oliveira da Costa, j. 12/09/2017, pub. DEJT 15/9/2017

[6] CALCINI, Ricardo e MORAES, Leandro Bocchi de. Teste de gravidez na dispensa da trabalhadora pode ensejar dano moral?. Consultor Jurídico, 2021. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-jun-24/pratica-trabalhista-teste-gravidez-dispensa-trabalhadora-enseja-dano-moral#_ftnref4>. Acesso em: 28 de junho 2021.

[7] Processo RR-61-04.2017.5.11.0010, 3ª Turma Tribunal Superior do Trabalho, ministro Relator Alexandre de Souza Agra Belmonte, Acórdão publicado em 18.06.2021.

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